sexta-feira, 5 de julho de 2013

Carl Sagan. O mundo assombrado pelos demônios. Capítulo 12: A sutil arte de detectar mentiras



"A compreensão humana não é simples luz, mas sim recebe infusão da vontade e os afetos; de onde procedem ciências que podem chamar-se “ciências a discrição”. Porque o homem crie com mais disposição o que preferiria que fora certo. Em conseqüência rechaça coisas difíceis por impaciência na investigação; silencia coisas, porque reduzem as esperanças; o mais profundo da natureza, por superstição; a luz da experiência, por arrogância e orgulho; coisas não cridas usualmente, por deferência à opinião do vulgo. São, pois inumeráveis os caminhos, e às vezes imperceptíveis, em que os afetos colorem e infectam a compreensão." (Francis Bacon, Novum Organon, 1620).

Meus pais morreram faz anos. Eu estava muito unido a eles. Ainda jogo terrivelmente de menos. Sei que sempre será assim. Desejo acreditar que sua essência, suas personalidades, o que tanto amei deles, existe —real e verdadeiramente— em alguma outra parte. Não pediria muito, só cinco ou dez minutos ao ano, por exemplo, para lhes falar de seus netos, para pô-los ao dia das últimas novidades, para lhes recordar que os quero. Há uma parte de mim — por muito infantil que soe — que se pergunta onde estarão. “Vai tudo bem?”, eu gostaria de lhes perguntar. A última palavra que me ocorreu lhe dizer a meu pai no momento de sua morte foi: “te cuide.”.

Às vezes sonho que falo com meus pais e, de repente, imerso ainda, no funcionamento do sonho, apodera-se de mim a entristecedora constatação de que em realidade não morreram, que tudo foi uma espécie de engano horrível. Enfim, estão aqui, sãs e salvos, meu pai contando piadas más, minha mãe me aconselhando com total seriedade que me ponha um cachecol porque faz muito frio. Quando me acordado empreendo um breve processo de lamentação. Simplesmente, algo dentro de mim se trabalha em excesso por acreditar na vida depois da morte. E não tem o mais mínimo interesse em saber se houver alguma prova contundente de que exista.

Assim, não rio da mulher que visita a tumba de seu marido e fala com ele de vez em quando, possivelmente no aniversário de sua morte. Não é difícil de entender. E, se tiver dificuldades com o estado ontológico da pessoa com quem fala, não importa. Não se trata disso. Trata-se de que os humanos se comportam como humanos. Mais de um terço dos adultos dos Estados Unidos acredita que estabeleceu contato a algum nível com os mortos. Os números parecem ter aumentado quinze por cento entre 1977 e 1988. Um quarto dos americanos acredita na reencarnação.

Mas isso não significa que esteja disposto a aceitar as pretensões de um “médium” que declara comunicar-se com os espíritos dos seres queridos defuntos, quando sou consciente de que nesta prática abunda a fraude. Sei até que ponto desejo acreditar que meus pais só abandonaram o envoltório de seus corpos, como os insetos ou serpentes que mudam, e foram a outro sítio. Entendo que esses sentimentos podem me fazer presa fácil de uma fraude pouco elaborado; como também a pessoas normais pouco familiarizadas com seu inconsciente ou aquelas que sofrem um transtorno psiquiátrico dissociativo. A contra gosto recorro a minhas reservas de ceticismo.

Como é, pergunto-me, que os canalizadores alguma vez nos dão uma informação verificável que não se possa alcançar de outro modo? Por que Alexandre Magno alguma vez nos fala da localização exata de sua tumba, Fermat de seu último teorema, John Wiikes Booth da conspiração para assassinar ao Lincoln ou Hermann Góring do incêndio do Reichstag? Por que Sófocles, Demócrito e Aristarco não nos ditam seus livros perdidos? Acaso não desejam que as gerações futuras tenham acesso a suas obras professoras?

Se se anunciasse alguma prova consistente de que há vida depois da morte, eu a examinaria ansioso; mas teria que tratar-se de dados científicos reais, não meramente anedóticos. Como com “a Face” de Marte e as abduções como extraterrestres, repito que é melhor a verdade por dura que seja que uma fantasia consoladora. E, na hora da verdade, os fatos revistam ser mais reconfortantes que a fantasia.

A premissa fundamental da “canalização”, o espiritualismo e outras formas de necromancia é que não morremos quando morremos. Não exatamente. Alguma parte do pensamento, dos sentimentos e da lembrança continua. Este o que seja — uma alma ou espírito, nem matéria nem energia, a não ser algo mais — pode, nos diz, voltar a entrar em corpos de humanos e outros seres no futuro, e assim a morte já não é tão aguda. O que é mais, se as opiniões do espiritualismo ou canalização são certas, temos a oportunidade de estabelecer contato com nossos seres queridos falecidos.

J. Z. Knight, do estado de Washington, afirma que está em contato com alguém de 35000 anos de idade chamado “Ramtha”. Fala muito bem o inglês, através da língua, os lábios e as cordas vocais do Knight, produzindo o que me soa como um acento do Raj índio. Como a maioria da gente sabe falar, e muitos — desde meninos até atores profissionais — têm um repertório de vozes a suas ordens, a hipótese mais singela é que a senhora Knight faz falar com a Ramtha por sua conta e não tem contato com entidades imateriais da era glacial do pleistoceno. Se houver alguma prova do contrário, eu adoraria ouvi-la. Seria bastante mais impressionante que Ramtha pudesse falar por si mesmo, sem a ajuda da boca da senhora Knight. Se não, como poderíamos comprovar a afirmação? (A atriz Shirley McLaine testemunha que Ramtha era seu irmão na Atlântida, mas essa é outra história.).

Suponhamos que pudesse submeter-se a Ramtha a um interrogatório. Poderíamos verificar que é quem diz ser? Como sabe que viveu 35 000 anos, embora seja aproximadamente? Que calendário emprega? Quem mantém o fio dos séculos intermédios? Trinta e cinco mil mais ou menos o que? Como eram as coisas faz 35 000 anos? Ou Ramtha tem realmente 35 000 anos, em cujo caso descobrimos algo sobre aquela época, ou é um farsante e colocará a pata (embora em realidade será ela quem o faça).

Onde vivia Ramtha? (Sei que fala inglesa com acento índio, mas onde falavam assim faz 35 000 anos?) Que clima havia? O que comia Ramtha? (Os arqueólogos têm alguma idéia do que comia então a gente.) Quais eram as línguas indígenas e a estrutura social? Com quem vivia Ramtha: esposa, algemas, filhos, netos? Qual era o ciclo de vida, a taxa de mortalidade infantil, a esperança de vida? Tinham um controle de natalidade? Que roupas levavam? Como se fabricavam os tecidos? Quais eram os depredadores mais perigosos? Utensílios e estratégias de caça e pesca? Armas? Sexismo endêmico? Xenofobia e etnocentrismo? E se Ramtha viesse da “grande civilização” da Atlântida, onde estão os detalhes lingüísticos, históricos, tecnológicos e demais? Como escreviam? Que nos diga isso. Em troca, só nos oferecem homilias banais.

Aqui há, para tomar outro exemplo, uma série de informações canalizadas não através de uma pessoa anciã morta, mas sim de entidades não humanas desconhecidas que fazem círculos nos cultivos, tal como a registrou o jornalista Jim Schnabel:
Produz-nos ansiedade esta nação pecadora que pulveriza mentiras sobre nós. Não vamos em máquinas, não aterrissamos em sua terra em máquinas... Vamos como o vento. Somos a Força de Vida. Força de Vida que procede da terra... Venham... Estamos só a um sopro de ar... a um sopro de ar... não a um milhão de quilômetros... uma Força de Vida que é maior que as energias de seu corpo. Mas nos encontramos em um nível de vida superior... Não necessitamos nome. Somos paralelos a seu mundo, junto a seu mundo... Os muros têm cansado. Dois homens se levantarão do passado... o grande urso... o mundo estará em paz.

A gente disposta atenção a essas fantasias pueris sobre tudo porque prometem um pouco parecido à religião de outros tempos, especialmente vida depois da morte, inclusive vida eterna.

Um panorama muito diferente de um pouco parecido à vida eterna é o que propôs em uma ocasião o versátil cientista britânico J. B. S. Haldane que, entre muitas outras coisas, foi um dos fundadores da genética de populações. Haldane imaginava um futuro longínquo no que as estrelas se teriam apagado e o espaço estaria cheio principalmente de gás frio e pouco denso. Entretanto, se esperarmos o suficiente, produzirão-se flutuações estatísticas na densidade deste gás. Durante imensos períodos de tempo, as flutuações serão suficientes para reconstituir um universo parecido ao nosso. Se o universo for imensamente velho, haverá um número infinito de reconstituições assim, assinalava Haldane.

Assim, em um universo imensamente velho com um número infinito de aparições de galáxias, estrelas, planetas e vida, deve reaparecer uma Terra idêntica em que nos reuniremos com nossos seres queridos. Poderei voltar a ver meus pais e lhes apresentar aos netos que nunca conheceram. E todo isso não ocorrerá uma vez, a não ser um número infinito de vezes.

De algum modo, entretanto, isso não chega a oferecer o consolo da religião. Se nenhum de nós vai ter nenhuma lembrança do que ocorreu esta vez, do tempo que estamos compartilhando o leitor e eu, as satisfações da ressurreição corporal soam ocas, ao menos a meus ouvidos.

Mas nesta reflexão infravalorizei o que significa a infinidade. No quadro do Haldane haverá universos, certamente um número infinito deles, no que nossos cérebros terão uma lembrança plena de muitos combates prévios. A satisfação está a nosso alcance, embora temperada pela idéia de todos os outros universos que também entrarão em existência (novamente, não uma a não ser um número infinito de vezes) com tragédias e horrores que superarão em muito tudo o que experimentamos esta vez.

A Consolação do Haldane depende, entretanto, do tipo de universo em que vivemos, e possivelmente de ocultos tais como se há bastante matéria para investir a expansão do universo e o caráter das flutuações do vazio. Os que têm um desejo profundo de vida depois da morte podem dedicar-se, por isso parece, à cosmologia, a gravidade quântica, a física das partículas elementares e a aritmética transfinita.

Clemente da Alexandria, pai da primeira Igreja, em sua Exortação aos gregos (escrita ao redor do ano 190) desprezava as crenças pagãs com palavras que hoje poderiam parecer um pouco irônicas:

Longe estamos certamente de permitir que homens adultos escutem este tipo de contos. Nem sequer quando nossos próprios filhos choram lágrimas de sangue, como diz o refrão, temos o hábito de lhes contar histórias fabulosas para acalmá-los.

Em nossa época temos critérios menos severos. Falamos com os meninos de Papai Noel e o ratoncito Pérez por razões que acreditam emocionalmente sólidas, mas os desenganamos desses mitos antes de fazer-se maiores. Por que nos retratar? Porque seu bem-estar como adultos depende de que conheçam o mundo como realmente é. Preocupam-nos, e com razão, quão adultos ainda acreditam em Papai Noel.

Nas religiões doutrinais, “os homens não ousam reconhecer, nem sequer ante seu próprio coração”, escrevia o filósofo David Hume,

As dúvidas que abrigam sobre esses temas. Convertem em mérito a fé implícita; e dissimulam ante eles mesmos sua infidelidade real através das mais fortes asseverações e a intolerância mais positiva.

Esta infidelidade tem profundas conseqüências morais, como escreveu o revolucionário americano Tom Paine na idade da razão:

A infidelidade não consiste em acreditar ou não acreditar; consiste em professar que se crie o que não se crie. É impossível calcular o prejuízo moral, se me permite expressá-lo assim, que produziu a mentira mental na sociedade. Quando o homem corrompeu e prostituiu de tal modo a castidade de sua mente para submeter sua profissão de fé a algo que não crie, pôs-se em condições de cometer qualquer outro crime.

A formulação do T. H. Huxley* era:

A base da moralidade é... Deixar de simular que se crie aquilo do que não há provas e de repetir propostas ininteligíveis sobre coisas que superam as possibilidades do conhecimento.

Clement, Hume, Paine e Huxley falam de religião. Mas grande parte do que escreveram tem aplicações mais gerais... Por exemplo, ao onipresente chateio dos anúncios que dominam nossa civilização comercial. Há uns anúncios de aspirina nos que os atores que fazem de médicos revelam que o produto da competência só tem tal quantidade do ingrediente analgésico mais recomendado pelos médicos... não dizem qual é este misterioso ingrediente. Seu produto, em troca, tem uma quantidade espetacularmente maior (de 1,2 a 2 vezes mais por tablete), por isso terá que comprá-lo. Mas por que não tomar duas pastilhas da competência? Ou consideremos o analgésico que funciona melhor que o produto de “efeito regular” da competência. Por que não tomar então o produto competitivo de “efeito extra”? E, certamente, não nos falam das mais de mil mortes anuais nos Estados Unidos pelo uso da aspirina, ou os possíveis cinco mil casos anuais de insuficiência renal por uso de acetaminofeno, do que a marca mais vendida é Tylenol. (Embora isso poderia tratar-se de um Caso de correlação sem causa.) Ou o que importa que um cereal de café da manhã tenha mais vitaminas quando podemos tomar uma pastilha de vitaminas com o café da manhã? Igualmente, que incidência tem que um antiácido contenha cálcio se o cálcio servir para a nutrição, mas é irrelevante para a gastrite? A cultura comercial está cheia de informações errôneas e evasivas a gastos do consumidor. Não se espera que perguntemos. Não pense. Compre.

A recomendação (paga) de produtos, especialmente por parte de peritos reais ou supostos, constitui uma avalanche constante de enganos. Delata seu menosprezo pela inteligência de seus clientes. Apresenta uma corrupção insidiosa de atitudes populares sobre a objetividade científica. Há inclusive anúncios nos que cientistas reais, alguns de distinção considerável, aparecem como cúmplices das empresas. Eles revelam que os cientistas também são capazes de mentir por dinheiro. Como advertiu Tom Paine, acostumar-se às mentiras põe os alicerces de muitos outros males.

Tenho diante de mim enquanto escrevo o programa de uma das exposições de Vida Sã que se celebram anualmente em São Francisco. Como é de rigor, assistem dezenas de milhares de pessoas. Peritos altamente questionáveis vendem produtos altamente questionáveis. Hei aqui algumas apresentações: “Como produzem dor e sofrimento as proteínas bloqueadas no sangue.” “Cristais, são talismãs ou pedras?” (Eu tenho minha própria opinião.) Segue: “Do mesmo modo que um cristal reflete ondas de som e de luz para rádio e esta televisão é uma interpretação áspera e insípida de como funcionam a rádio e a televisão—, também pode amplificar as vibrações espirituais para os humanos harmonizados.” Ou aqui há outra: “Retorno da deusa, ritual de apresentação.” Outro: “Sincronização, a experiência do reconhecimento.” Esta a dá o “Irmão Carlos”. Ou, na página seguinte: “Você, Saint-Germain e a cura mediante a chama violeta.” Assim segue sem parar, com profusão de anúncios sobre as “oportunidades” — que percorrem a curta gama de discutível a falsa — que alguém pode encontrar nessas amostras.

Enlouquecidas vítimas do câncer empreendem uma peregrinação para as Filipinas, onde “cirurgiões psíquicos”, depois de ter manuseado partes de fígado de frango ou coração de cabra, dizem que chegaram às vísceras do paciente para retirar a malha doente, que logo é exposto triunfalmente. Alguns líderes das democracias ocidentais consultam com regularidade a astrólogos e místicos antes de tomar decisões de Estado. Submetidos à exigência pública de resultados, os policiais que têm entre mãos um assassinato não resolvido ou um corpo desaparecido consultam a “peritos” de PS (que nunca adivinham nada mais do que pode ditar o sentido comum, mas, segundo eles, a polícia não deixa de chamar). Anuncia-se que nações inimizades estão mais adiantadas em questões de clarividência e a CIA, por insistência do Congresso, investe dinheiro público para descobrir se podem localizar-se submarinos nas profundidades oceânicas concentrando o pensamento neles. Um “psíquico” — armado com pêndulos sobre uns mapas e varinhas de zahori nos aviões — pretende encontrar novos depósitos de minerais; uma companhia mineira australiana lhe paga uma grande quantidade de dólares de entrada, que não deverá devolver em caso de fracasso, e uma participação na exploração do mineral em caso de êxito. Não tira o chapéu nada. Estátuas do Jesus ou murais da Maria mostram manchas de umidade, e milhões de pessoas de bom coração estão convencidas de ter visto um milagre.

Todo isso são casos de mentira presumida ou demonstrada. Aparece um engano, às vezes inocentemente, mas em colaboração, às vezes com cínica premeditação. Normalmente a vítima se vê submetida a fortes emocione: maravilha, temor, avareza, pesar. A aceitação crédula e uma mentira que pode lhe custar dinheiro; isso é o que queria dizer P. T. Barnum quando disse: “Nasce um idiota a cada minuto.” Mas pode ser muito mais perigoso que isso e, quando os governos e as sociedades perdem a capacidade de pensar criticamente, os resultados podem ser catastróficos... por muito que o sintamos pelos que têm cansado no engano.

Em ciência, podemos começar com resultados experimentais, dados, observações, medidas, “feitos”. Inventamos, se pudermos, toda uma série de explicações possíveis e confrontamos sistematicamente cada explicação com os fatos. Ao longo de sua preparação se proporciona aos cientistas uma equipe de detecção de mentiras. Esta equipe se utiliza de maneira natural sempre que se oferecem novas idéias a consideração. Se a nova idéia sobreviver ao exame com as ferramentas de nossa equipe, concedemos uma aceitação cálida, embora provisório. Se você o desejar, se não querer comprar mentiras embora seja tranqüilizador fazê-lo, pode tomar algumas precauções; há um método ensaiado e certo, provado pelo consumidor.

Do que consta a equipe? De ferramentas para o pensamento cético.

O pensamento cético é simplesmente o meio de construir, e compreender, um argumento raciocinado e —especialmente importante— reconhecer um argumento falacioso ou fraudulento. A questão não é se nós gostamos da conclusão que surge de uma via de raciocínio, mas sim se a conclusão se deriva da premissa ou ponto de partida e se esta premissa for certa.

Entre as ferramentas:

• Sempre que for possível tem que haver uma confirmação independente dos “fatos”.

• Respirar o debate substancioso sobre a prova por parte de defensores com conhecimento de todos os pontos de vista.

• Os argumentos da autoridade têm pouco peso: as “autoridades” cometeram enganos no passado. Voltarão-os a cometer no futuro. Possivelmente uma maneira melhor de dizê-lo é que a ciência não há autoridades; como máximo, há peritos.

• Baralhe mais de uma hipótese. Se houver algo que se deve explicar, pense em todas as diferentes maneiras em que poderia explicar-se. Logo pense em provas mediante as que poderia refutar sistematicamente cada uma das alternativas. O que sobrevive, a hipótese que resiste a refutação nesta seleção darwiniana entre “hipótese de trabalho múltiplos” tem muitas mais possibilidades de ser a resposta correta que se você simplesmente se ficou com a primeira idéia que lhe ocorreu.

• Tente não comprometer-se em excesso com uma hipótese porque é a sua. Trata-se ó de uma estação no caminho de busca do conhecimento. Pergunte-se por que gosta da idéia. Compare-a com justiça com as alternativas. Veja se podem encontrar motivos para rechaçá-la. Se não, farão-o outros.

• Quantifique. Se o que explicar, seja o que seja, tem alguma medida, alguma quantidade numérica relacionada, será muito mais capaz de discriminar entre hipótese em competência. O que é vago e qualitativo está aberto a muitas explicações. Certamente, podem-se encontrar verdades em muitos assuntos qualitativos com os que nos vemos obrigados a nos enfrentar, mas as encontrar é um desafio muito maior.

• Se houver uma cadeia de argumentação, devem funcionar todos os elos da cadeia (incluindo a premissa), não só a maioria.

• A navalha do Occam*. Esta conveniente regra empírica nos induz, quando enfrentamos a duas hipóteses que explicam dados igualmente bons, a escolher a mais simples.

• Pergunte-se sempre se a hipótese, ao menos em princípio, pode ser falsificada. As proposições que não podem comprovar-se nem demonstrar-se falsas, não valem muito. Consideremos a grande ideia de que nosso universo e tudo o que contém é só uma partícula elementar - um elétron, por exemplo— em um cosmos muito maior. Mas se alguma vez podemos adquirir informação de fora de nosso universo, não é impossível refutar a idéia? Tem que ser capaz de comprovar as asseverações. Deve dar oportunidade a céticos inveterados de seguir seu raciocínio para duplicar seus experimentos e ver se se consegue o mesmo resultado.

A confiança nos experimentos cuidadosamente desenhados e controlados é chave, como tentei sublinhar antes. Não aprenderemos muito da mera contemplação. É tentador ficar satisfeito com a primeira explicação possível que nos ocorre. Alguém é muito melhor que nenhuma. Mas o que ocorre quando inventamos várias? Francis Bacon proporcionou a razão clássica: Pode ser que a argumentação não baste para o descobrimento de um novo trabalho, porque a sutileza da natureza é muitas vezes maior que a do argumento.

Os experimentos de controle são essenciais. Se, por exemplo, diz-se que uma medicina nova cura uma enfermidade em vinte por cento dos casos, devemos nos assegurar de que uma população de controle que toma uma pastilha de açúcar que os pacientes acreditam que poderia ser o novo medicamento não experimente uma remissão espontânea da enfermidade em vinte por cento dos casos.

Devem separá-las variáveis. Suponhamos que você está enjoado e lhe dão um bracelete de metal e 50 miligramas de dimenhidrinato. Descobre que lhe desaparece o mal-estar. O que foi: o bracelete ou a pastilha? Só pode sabê-lo se a vez seguinte toma uma coisa e não outra e se enjoa. Agora suponhamos que você não tem tanta devoção pela ciência para permitir-se estar enjoado. Então não separará as variáveis. Tomará os dois remédios de uma vez. Conseguiu o resultado prático desejado; poderia-se dizer que não lhe merece a pena a moléstia de conseguir mais conhecimentos.

Freqüentemente o experimento deve ser de “dobro cego” a fim de que os que esperam um descobrimento determinado não estejam na posição potencialmente comprometedora de avaliar os resultados. Quando se prova uma nova medicina, por exemplo, possivelmente se queira que quão médicos determinem que sintomas dos pacientes se viram aliviados não saibam que pacientes receberam o novo fármaco. O conhecimento poderia influir em sua decisão, embora só fora inconscientemente. Em troca, a lista dos que experimentaram remissão de sintomas pode comparar-se com a dos que tomaram o novo fármaco, realizada cada uma com independência. Então se pode determinar que correlação existe. Ou quando há um reconhecimento policial ou uma identificação de foto, o oficial responsável não deveria saber quem é o principal suspeito [para] não influir consciente nem inconscientemente na testemunha.

Além de ensinamos o que fazer quando avaliamos uma declaração de conhecimento, uma boa equipe de detecção de mentiras também deve ensinamos que não fazer. Ajuda-nos a reconhecer as falácias mais comuns e perigosas da lógica e a retórica. Podem-se encontrar muitos bons exemplos em religião e política, porque seus praticantes freqüentemente se vêem obrigados a justificar duas proposições contraditórias. Entre essas falácias se encontram:

• ad hominem: latim “contra o homem”, atacar ao que discute e não a sua argumentação (P. ex.: O reverendo doutor Smith é um conhecido fundamentalista da Bíblia, por isso suas objeções à evolução não devem tomar-se a sério);

• argumento de autoridade (P. ex.: O presidente Richard Nixon deveria ser reeleito porque tem um plano secreto para terminar a guerra no sudeste da Ásia... mas, como era secreto, o eleitorado não tinha nenhuma maneira de avaliar seus méritos; o argumento equivalia a confiar nele porque era presidente: crasso engano, como se viu);

• argumento de conseqüências adversas (P. ex.: Deve existir um Deus que dê castigo e recompensa porque, se não, a sociedade seria muito mais ilegal e perigosa, possivelmente inclusive ingovernável. Ou: O acusado em um julgamento de assassinato com muita publicidade recebeu o veredicto de culpado; em outro caso, teria sido um incentivo para que outros homens matassem a suas algemas);

• chamada à ignorância; a declaração de que tudo o que não foi demonstrado deve ser certo, e vice-versa (quer dizer: Não há uma prova irresistível de que os óvnis não estejam visitando a Terra; portanto, os óvnis existem... e há vida inteligente em todas as partes no universo. Ou: Pode haver setenta mil e milhões de outros mundos, mas, como não se conhece nenhum que tenha o avanço moral da Terra, seguimos sendo centrais no universo.). Esta impaciência com a ambigüidade pode criticar-se com a frase: a ausência de prova não é prova de ausência;

• um argumento especial, freqüentemente para salvar uma proposição em um problema retórico profundo (P. ex.: Como pode um Deus compassivo condenar à tortura às gerações futuras porque, contra suas ordens, uma mulher induziu a um homem a comer uma maçã? Argumento especial: não entende a sutil doutrina do livre-arbítrio. Ou: Como pode haver um Pai, Filho e Espírito Santo igualmente divinos na mesma pessoa? Argumento especial: não entende o mistério divino da Muito santo Trindade. Ou: Como podia permitir Deus que os seguidores do judaísmo, cristianismo e islã - obrigados cada um a seu modo a medidas heróicas de amabilidade afetuosa e compaixão — perpetrassem tanta crueldade durante tanto tempo? Argumento especial: outra vez, não entende o livre-arbítrio. E em todo caso, os caminhos de Deus são misteriosos);

• pedir a pergunta, chamado também assumir a resposta (P. ex.: Devemos instituir a pena de morte para desalentar o crime violento. Mas se reduz a taxa de delitos violentos quando se impõe a pena de morte? Ou: O mercado de ações sofreu ontem uma queda devido a um ajuste técnico e a retirada de benefícios pelos investidores... mas há alguma prova independente do papel causal do “ajuste” e retirada de benefícios; ensinou-nos algo esta explicação implícita?);

• seleção da observação, chamada também contagem de circunstâncias favoráveis ou, como o descreveu Francis Bacon, contar os acertos e esquecer as falhas (P. ex.: Um Estado se gaba dos presidentes que teve, mas não diz nada de seus assassinos em série);

• estatísticas de números pequenos, parente próximo da seleção da observação (P. ex.: “Dizem que uma de cada cinco pessoas é a China. Como é possível? Eu conheço centenas de pessoas" e nenhuma delas é da China.” Ou: tirei três setes seguidos. Esta noite não posso perder”);

• incompreensão da natureza da estatística (P. ex.: O presidente Dwight Eisenhower expressa assombro e alarme ao descobrir que as metades dos americanos têm uma inteligência por debaixo da média);

• inconsistência (P. ex.: Preparar-se com toda prudência para o pior de que seja capaz um adversário militar potencial, mas ignorar as projeções científicas em perigos meio-ambientais para economizar porque não estão “demonstrados”. Ou atribuir o descida da esperança de vida na antiga União Soviética aos defeitos do comunismo faz muitos anos; mas não atribuir nunca à alta taxa de mortalidade infantil dos Estados Unidos (agora a mais alta das principais nações industriais) aos defeitos do capitalismo. Ou considerar razoável que o universo siga existindo sempre no futuro, mas julgar absurda a possibilidade de que tenha uma duração infinita para o passado);

• non sequitur: “não segue”, em latim (P. ex.: Nossa nação prevalecerá porque Deus é grande. Mas quase todas as nações pretendem que isso é certo; a formulação alemã era: “Gott mit uns”), Freqüentemente, os que caem na falácia non sequitur é simplesmente que não reconheceram possibilidades alternativas;

• post hoc, ergo propter hoc: em latim, “depois disto, logo a conseqüência disto” (P. ex.: Jaime Cardeal, arcebispo da Manila:

“Conheço... a uma mulher de vinte e seis anos que parece ter sessenta porque toma pílulas {anticoncepcionais}.” Ou: Quando as mulheres não votavam, não havia armas nucleares);

• pergunta sem sentido (P. ex.: O que ocorre quando uma força irresistível se choca com um objeto inamovível? Mas se existir algo assim como uma força irresistível não pode haver objetos inamovíveis, e vice-versa);

• exclusão do meio ou falsa dicotomia: considerar só os dois extremos em um contínuo de possibilidades intermédias (P. ex.: “Sim, claro, ponha de sua parte; meu marido é perfeito; eu sempre me equivoco.” Ou: “que não quer a seu país o odeia.” Ou: “Se não ser parte da solução, é parte do problema”);

• curto prazo contra comprido agrado: um subgrupo da exclusão do meio, mas tão importante que o destaquei para lhe emprestar atenção especial (P. ex.: Não podemos empreender programas para alimentar aos meninos desnutridos e educar aos pré-escolares. precisa-se tratar com urgência o crime nas ruas. Ou: por que explorar o espaço ou seguir a ciência fundamental quando temos um déficit de pressuposto tão enorme?);

• terreno escorregadio, relacionado com a exclusão do meio (P. ex.: Se permitirmos o aborto nas primeiras semanas de gravidez, será impossível impedir a morte de um bebê formado. Ou ao contrário: Se o Estado nos proíbe abortar embora seja no nono mês, logo nos começará a dizer o que temos que fazer com nosso corpo no momento da concepção);

• confusão de correlação e causa (P. ex.: Alguém pesquisa mostra que há mais homossexuais entre os licenciados universitários que entre os de menor educação; em conseqüência, a educação faz homossexual às pessoas). Ou: Os terremotos andinos estão correlacionados com aproximações mais próximas do planeta Urano; em consequência-apesar da ausência de uma correlação assim para o planeta mais próximo e mais imponente, Júpiter—, o segundo causa o primeiro;

• homem de palha: caricaturar uma postura para facilitar o ataque (P. ex.: Os cientistas supõem que os seres vivos se formaram juntos por acaso, uma formulação que ignora deliberadamente a principal ideia darwiniana: que a natureza avança conservando o que funciona e descartando o que não. Ou, e isso também é uma falácia a largo/corto agrado, os defensores do meio ambiente se preocupam mais pelos caracóis e os buchos salpicados que pelas pessoas);

• prova suprimida, ou meia verdade (P. ex.: Aparece em televisão uma “profecia” surpreendentemente precisa e amplamente citada do intento de assassinato do presidente Reagan, mas —detalhe importante— foi gravada antes ou depois do acontecimento?). Ou: Estes abusos do governo exigem uma revolução, embora seja impossível fazer uma omelete sem romper antes os ovos. Sim, mas nesta revolução morrerá mais gente que com o regime anterior? O que sugere a experiência de outras revoluções? São desejáveis e em interesse do povo todas as revoluções contra regimes opressivos?

• palavras equívocas (P. ex.: A separação de poderes da Constituição dos Estados Unidos especifica que este país não pode entrar em guerra sem uma declaração do Congresso. Por outro lado, os presidentes têm o controle da política externa e a direção das guerras, que são ferramentas potencialmente capitalistas para conseguir a reeleição. Os presidentes de qualquer partido político poderiam ver-se tentados, portanto a dispor guerras enquanto levantam a bandeira e chamam as guerras outra coisa: “ações de polícia”, “incursões armadas”, “golpes reativos de amparo”, “pacificação”, “salvaguarda dos interesses americanos”, e uma grande variedade de “operações”, como as da “Operação Causa Justa”. Os eufemismos para a guerra formam parte de uma grande classe de reinvenções da linguagem com fins políticos. Talleyrand disse: “Uma arte importante dos políticos é encontrar nomes novos para instituições que sob seus nomes velhos se feito odiosas ao povo”).

Conhecer a existência dessas falácias retóricas e lógicas completa nossa caixa de ferramentas. Como todas as ferramentas, a equipe de detecção de mentiras pode usar-se mau, aplicar-se fora de contexto ou inclusive empregar-se rotineiramente como alternativa ao pensamento. Mas, se se aplicar com julgamento, pode marcar toda a diferença do mundo, e nos ajuda a avaliar nossos próprios argumentos antes de apresentá-los a outros.

A indústria do tabaco americana fatura uns cinqüenta mil e milhões ao ano. Admitem que há uma correlação estatística entre fumar e o câncer, mas não uma relação causal, dizem. Acrescentam que se está cometendo uma falácia lógica. O que poderia significar isso? Possivelmente as pessoas com propensão hereditária ao câncer têm uma propensão hereditária a tomar drogas aditivas, por isso o câncer e o fumar poderiam estar correlacionados, mas o câncer não seria provocado por fumar. Podem inventar-se relações cada vez mais inverossímeis deste tipo. Esta é exatamente uma das razões pelas que a ciência insiste nos experimentos de controle.

Suponhamos que pintamos os lombos de grande número de ratos com alcatrão de cigarro e fiscalizamos também a saúde de grandes números de ratos quase idênticos que não foram pintados. Se o primeiro grupo contrair câncer e o segundo não, pode-se estar bastante seguro de que a correlação é causal. Se se inalar fumaça de tabaco, a possibilidade de contrair câncer aumenta; não se inala, e a taxa se mantém ao nível básico. O mesmo ocorre com o enfisema, a bronquite e as enfermidades cardiovasculares.

Quando em 1953 se publicou o primeiro trabalho na literatura científica que demonstrava que quando se pintam as substâncias do cigarro nos lombos de roedores produzem resultados malignos (câncer), a resposta das seis principais companhias de tabaco foi iniciar uma campanha de relações públicas para impugnar a investigação, patrocinada pela Fundação Sloan Kettering. Isso é similar ao que fez a Du Pont Corporation quando em 1974 se publicou a primeira investigação que demonstrava que seus produtos de freón atacam a capa protetora de ozônio. Há muitos mais exemplos.

Seria normal pensar que antes de denunciar descobrimentos que não gostam, as empresas principais dedicariam consideráveis recursos a comprovar a segurança dos produtos que se propõem fabricar. E, se se esqueceram de algo, se os cientistas independentes assinalarem um risco, por que protestam as companhias? Prefeririam matar as pessoas que perder benefícios? Se, em um mundo incerto, devesse cometer um engano, não se inclinaria para o amparo dos clientes e o público? E, a propósito, o que dizem estes casos sobre a capacidade da empresa privada de vigiar-se a si mesmo? Não demonstram que ao menos algumas intervenções do governo são em interesse do público?

Um relatório interno de 1971 da Brown and Williamson Tobacco Corporation enumera como objetivo corporativo “eliminar da mente de milhões de pessoas a falsa convicção de que fumar cigarros causa câncer de pulmão e outras enfermidades; uma convicção apoiada em presunções fanáticas, rumores falaciosos, denuncia sem fundamento e conjeturas de oportunistas em busca de publicidade”. Se queixam do ataque incrível, sem precedentes e infame contra o cigarro, que constitui a maior difamação e calúnia que se perpetrou jamais contra um produto na história da Úbere empresa; uma difamação criminal de proporções e implicações tão importantes que alguém se pergunta como uma cruzada de calúnias pode reconciliar-se... como a Constituição pode ser tão burlada e violada [sic].

Esta retórica é só ligeiramente mais acesa que a que publicou de vez em quando a indústria do tabaco para consumo público.

Há muitas marcas de cigarros que anunciam ser desce em “alcatrão” (dez miligramas ou menos por cigarro). Por que é isso uma virtude? Porque é nos alcatrões refratários onde se concentram hidrocarbonetos policíclicos aromáticos e outros cancerígenos. Não são os anúncios de desço em alcatrão uma admissão tácita pelas companhias de tabaco de que os cigarros causam realmente o câncer?

Healthy Buildings International é uma organização com ânimo de lucro que recebeu milhões de dólares ao longo dos anos da indústria do tabaco. Realiza investigações sobre o fumante passivo e testemunha a favor das companhias de tabaco. Em 1994, três técnicos se queixaram de que antigos executivos tinham falsificado os dados sobre partículas de cigarro inaláveis no ar. Em cada caso, os dados inventados ou “corrigidos” faziam que a fumaça do tabaco parecesse mais são que o indicado pelas medições dos técnicos. Encontram alguma vez os departamentos de investigação corporativos ou os contratados do exterior que um produto é mais perigoso do que a corporação de tabaco declara publicamente? Se for assim, seguem com seu posto de trabalho?

O tabaco é aditivo; segundo muitos critérios, mais ainda que a heroína ou a cocaína. Há uma razão para que um, como dizia um anúncio da década dos quarenta, “ande uma milha em busca de um Camel”. Morreu mais gente pelo tabaco que em toda a segunda guerra mundial. Segundo a Organização Mundial da Saúde, fumar arbusto a três milhões de pessoas ao ano em todo mundo. Isso se elevará a dez milhões anuais no 2020, em parte por causa de uma enorme campanha publicitária que apresentava o fumar como progressista e de moda para as mulheres jovens no mundo de hoje. Parte do êxito da indústria do tabaco em subministrar esta elaboração de venenos aditivos pode atribuir-se à escassa familiaridade com a detecção de mentiras, o pensamento crítico e o método científico. A credulidade mata.

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