domingo, 21 de abril de 2013

Recortes de Bertrand Russell




“Os sonhos de um homem ou de um grupo podem ser cômicos, mas os sonhos humanos coletivos, para nós que não podemos ultrapassar o círculo da humanidade, são patéticos.
O universo é muito vasto, como revela a astronomia. Não podemos dizer o que existe além do que os telescópios mostram. Mas sabemos que é de uma imensidão inimaginável. No mundo visível, a Via Láctea é um fragmento minúsculo; e, nesse fragmento, o sistema solar é uma partícula infinitesimal, e, dessa partícula, nosso planeta é um ponto microscópico. Nesse ponto, pequenas massas impuras de carbono e água, de estrutura complexa, com algumas raras propriedades físicas e químicas, arrastam-se por alguns anos, até serem dissolvidas outra vez nos elementos de que são compostas. Elas dividem seu tempo entre o trabalho designado para adiar o momento de sua dissolução e a luta frenética para acelerar o de outras do mesmo tipo. As convulsões naturais destroem periodicamente milhares ou milhões delas, e a doença devasta, de modo prematuro, mais algumas. Esses eventos são considerados infortúnios; mas quando os homens obtêm êxito ao impor semelhante destruição por seus próprios esforços, regozijam-se e agradecem a Deus. Na vida do sistema solar, o período no qual a existência do homem terá sido fisicamente possível é uma porção minúscula do todo; mas existe alguma razão para esperar que mesmo antes desse período terminar o homem tenha posto fim à sua existência por seus próprios meios de aniquilação mútua.
Assim é a vida do homem vista de fora.
Mas tal visão da vida, como sabemos, é intolerável, e destruiria a energia instintiva pela qual o homem persiste. A forma que encontraram para escapar dessa cruel perspectiva foi por meio da religião e da filosofia.”

 “Além de todos os argumentos utilitários a busca da felicidade com base em crenças falsas não é nem muito nobre nem muito gloriosa. Há uma completa felicidade na firme percepção de nosso verdadeiro lugar no mundo, e um drama mais vívido do que qualquer um possível para aqueles que se escondem por trás das cortinas fechadas do mito. Existem “mares perigosos” no mundo do pensamento, que podem apenas ser navegados por aqueles que desejam encarar sua própria impotência física. E, sobretudo, existe a libertação da tirania do Medo, que destrói a luz do dia e mantém os homens humilhados e cruéis. Nenhum homem está livre do medo se não ousa ver qual é seu lugar no mundo; nenhum homem pode atingir a grandeza de que é capaz até que tenha se permitido ver sua pequenez.”


“Arriscar-me-ei agora em um tópico que as pessoas acham ainda mais difícil de tratar de forma não apaixonada, ou seja: costumes matrimoniais. A maioria da população de cada país está convencida de que todos os hábitos matrimoniais diferentes dos seus são imorais, e que aqueles que combatem esse ponto de vista o fazem apenas para justificar suas próprias vidas desregradas...
...Quando abrimos qualquer tratado científico sobre o assunto, nos deparamos com uma atmosfera extraordinariamente diferente de preconceito popular. Encontramos a existência de toda sorte de costume, muitos dos quais achamos repugnantes para a natureza humana...
...Um pouco dessa leitura deve logo reduzir qualquer pessoa ingênua ao total ceticismo, pois não parece haver dados que possibilitem afirmar que um hábito matrimonial é melhor ou pior do que outro. Quase todos envolvem crueldade e intolerância contra aqueles que ofendem o código local, mas não possuem mais nada em comum. Parece que o pecado é geográfico. A partir dessa premissa, há apenas um pequeno passo para a conclusão que a noção de “pecado” é ilusória, e que a crueldade habitualmente praticada na sua punição é desnecessária. Esta conclusão não é nada bem vinda para muitos, pois aplicação da crueldade com uma boa consciência é um deleite para os moralistas. Eis por que inventaram o inferno.”


“Um partido que está prestes a obter o poder deve, em uma democracia, fazer um apelo ao qual a maioria da nação reaja de modo positivo.
[...]
Por consequinte, é provável que nenhum partido político importante tenha um programa útil, e se medidas fossem tomadas isso ocorreria por meio de algum outro mecanismo, abstraindo-se o partido governamental.
[...]
O poder do político, em uma democracia, depende da adoção de suas opiniões que pareçam corretas para o homem comum. É inútil esperar que os políticos sejam suficientemente íntegros para defender a opinião esclarecida que considerem boa, visto que se assim fizessem seriam postos de lados por outros.  Além disso, a habilidade intuitiva requerida para prever opiniões não implica qualquer aptidão para formar suas próprias opiniões, assim, muitos dos mais capazes (do ponto de vista do partido político) estarão em posição de defender, de modo bastante honesto, medidas que a maioria considera benéficas, mas que os especialistas sabem que são ruins.”


“É uma propensão natural atribuir infortúnio à malignidade de alguém. Quando os preços aumentam, o fato é devido ao especulador; quando os salários diminuem, culpa-se o capitalista. O leigo não questiona a ineficácia do capitalista no momento que os salários sobem, assim como a do especulador quando os preços caem. Tampouco ele percebe que os salários e os preços sobem e baixam ao mesmo tempo. Se ele for um capitalista, desejará que os salários declinem e os preços subam; se for um assalariado almejará o oposto. Quando um especialista em monetarismo tenta explicar que os especuladores, os sindicatos e os empregados comuns pouco têm a ver com a questão, ele irrita todas as pessoas, do mesmo modo que o homem que lançou dúvida sobre as atrocidades praticadas pelos alemães.”


“Na religião e na política, ao contrário, embora ainda não haja nada que se aproxime do conhecimento científico, todos consideram como de rigueur ter uma opinião dogmática apoiada pela inanição, a prisão e a guerra, infligidas, além de estar cuidadosamente sob vigilância para evitar uma argumentação competitiva de qualquer opinião diferente. Se pelo menos os homens pudessem ser conduzidos a ter uma estrutura mental agnóstica instigante sobre esses assuntos, nove décimos dos males do mundo moderno seriam debelados. A guerra se tornaria impossível, porque cada lado perceberia que ambos os lados poderiam estar errados. A perseguição cessaria. A educação visaria a expandir a mente, sem reprimi-la. Os homens seriam escolhidos para trabalhar por causa de sua adequabilidade, e não por seguirem domas irracionais daqueles que estão no poder. Assim, só a dúvida racional, caso pudesse ser fomentada, seria suficiente para trazer a felicidade e prosperidade universais.”


“A educação elementar em todos os países adiantados está nas mãos do Estado. Alguns ensinamentos são reconhecidos como falsos pelos funcionários que os prescrevem, e muitos outros são considerados enganosos, ou de alguma forma muito duvidosos, por todas as pessoas não preconceituosas. Como, por exemplo, o ensino de história. Cada nação deseja apenas a autoglorificação nos livros escolares de história. Quando um homem escreve sua autobiografia espera-se que ele demonstre uma certa modéstia; mas quando uma nação escreve sua autobiografia não há limite para jactar-se ou vangloriar-se.
[...]
Tanto antes quando depois, um dos principais objetivos da educação nos Estados Unidos é converter a mistura heterogênea de crianças imigrantes em “bons americanos”. Aparentemente, não ocorreu a ninguém que um “bom americano”, assim como um “bom alemão’ ou um “bom japonês” possa ser, pro tanto, um ser humano de má índole. Um “bom americano” é um homem, ou uma mulher, imbuído da crença de que a América é o melhor país da terra e que deve sempre ser apoiado entusiasticamente em qualquer conflito. É possível que esses objetivos sejam verdadeiros; neste caso, um homem racional, não teria conflito algum com eles. Mas se eles são verdadeiros, devem ser ensinados no mundo inteiro, não apenas na América. É uma circunstância suspeita que tais finalidades não tenham crédito fora do país onde são glorificadas. Enquanto isso, toda a máquina do Estado, nos diferentes países, dedica-se a fazer com que crianças indefesas acreditem em proposições absurdas, com vistas a torná-las propensas a morrer em defesa de interesses malévolos com a impressão de que estão lutando pela verdade e pelo direito. Essa é apenas uma das inumeráveis maneiras das quais a educação é planejada, não para oferecer um conhecimento verdadeiro, mas para tornar as pessoas dóceis à vontade de seus senhores. Sem um sistema elaborado de embuste nas escolas elementares seria impossível preservar a camuflagem da democracia.”


“Não se deve supor que os funcionários encarregados da educação desejem que o jovem se eduque. Ao contrário, o intuito deles é fornecer informação sem estimular a inteligência. A educação deveria ter dois objetivos: primeiro, oferecer um conhecimento definitivo, leitura e escrita, linguagem e matemática, e assim por diante; segundo, criar hábitos mentais que capacitem as pessoas a adquirir conhecimento e a formular julgamentos sólidos. O primeiro deles podemos chamar de informação; o segundo, de inteligência. A utilidade da informação é admitida na prática, bem como na teoria; sem uma população letrada o Estado moderno é impossível. Mas a utilidade da inteligência é admitida apenas teoricamente e não na prática: não é desejável que as pessoas comuns pensem por si mesmas, porque se presume que essas pessoas são difíceis de controlar e causam dificuldades administrativas. Só os guardiões, na linguagem de Platão, podem pensar; o resto deve obedecer, ou seguir líderes como um rebanho de carneiros. Essa doutrina, com freqüência inconsciente, sobreviveu à introdução da democracia política, e corrompeu radicalmente todos os sistemas nacionais de educação.”

“A objeção à propaganda não é apenas em razão do seu apelo ao irracional, mas também, e muito mais, pela vantagem injusta concedida aos ricos e poderosos. A igualdade de oportunidade entre opiniões é essencial para que exista uma liberdade de pensamento verdadeira; e essa igualdade só pode ser assegurada por leis elaboradas para esse fim, embora não haja razão para esperar que sejam sancionadas. A cura não deve ser procurada basicamente nessas leis, mas em uma educação melhor e uma opinião cética mais perspicaz. Contudo, no momento não estou preocupado em discutir curas.”

“A fim de haver tolerância no mundo, uma das coisas a ser ensinada nas escolas deve ser hábito de ponderar a evidência e prática de não dar total assentimento a proposições que não haja razão para serem aceitas como verdadeiras. Por exemplo, a arte da leitura de jornais precisa ser ensinada. O professor deve selecionar algum incidente acontecido há muitos anos e que tenha provocado paixões políticas à sua época. Então, ele deve ler para as crianças o que foi publicado por um jornal de uma corrente política e que foi mencionado por outros jornais de opinião oposta, e algum relato imparcial do que realmente aconteceu. Ele deve mostrar como, a partir do viés de cada relato, um leitor habituado à leitura pode inferir o que de fato ocorreu, e precisa fazer com que elas entendam que tudo nos jornais é mais ou menos falso. O ceticismo cínico que resultaria desse ensinamento tornaria as crianças mais tarde imunes a apelos de idealismo pelos quais pessoas decentes são induzidas a favorecer os esquemas dos vigaristas.”

“Penso que se deva admitir que os males do mundo são devidos tanto a defeitos morais quanto à falta de inteligência. Mas a humanidade ainda não descobriu qualquer método de erradicar defeitos morais; a pregação e a exortação só acrescentam hipocrisia moralista à lista prévia de vícios. A inteligência, ao contrário, é com facilidade aperfeiçoada por métodos conhecidos por todos os educadores competentes. Portanto, até que algum método de ensinar a virtude seja descoberto, o progresso precisará ser buscado pelo aperfeiçoamento da inteligência e não por valores morais. Um dos maiores obstáculos à inteligência é a credulidade, e esta poderia ser extremamente reduzida pela instrução sobre as formas preponderantes de falsidade. A credulidade é um mal ainda maior nos dias de hoje do que foi no passado, pois em razão do crescimento da educação agora é muito mais fácil disseminar a informação, e, em virtude da democracia, a difusão de informações falsas ou incorretas é mais importante do que no passado para os detentores do poder. Daí o aumento da circulação de jornais.”

“Meu pleito ao longo desse ensaio tem sido a favor da disseminação de uma tendência científica, que é algo totalmente diferente do conhecimento de resultados científicos. A tendência científica é capaz de regenerar a comunidade e fornecer uma saída para todos os nossos problemas. Os resultados da ciência, na forma de mecanismo, os gases poluentes e a imprensa sensacionalista conduzirão a uma total destruição de nossa civilização. Isso é uma antítese curiosa, que os marcianos poderiam contemplar com um distanciamento divertido. Porém para nós é uma questão de vida ou morte. Dessa questão depende se nossos netos viverão em um mundo mais feliz ou se exterminarão uns aos outros por meio de métodos científicos, deixando talvez para os selvagens os destinos futuros da humanidade.”

“No sentido mais abstrato, “liberdade” significa a ausência de obstáculos externos para a realização de desejos. Considerando esse sentido abstrato, a liberdade pode ser expandida pela maximização do poder ou por desejos minimizados. Um inseto que vive alguns dias e depois morre de frio tem uma liberdade perfeita de acordo com essa definição, visto que o frio pode alterar seus desejos e assim, não há nenhum momento que ele deseje realizar o impossível. Entre os seres humanos, também, esse modo de atingir a liberdade é possível”

“Um homem retirado de um ambiente e posto subitamente em outro talvez de forma nenhuma sinta-se livre e, contudo, esse novo ambiente pode proporcionar liberdade para aqueles que estão acostumados a ele. Assim, não podemos discorrer sobre liberdades sem levar em consideração a possibilidade de desejos variáveis em virtude da mudança de ambiente. Em alguns casos, isso torna a obtenção da liberdade mais difícil, uma vez que um novo ambiente, embora satisfaça antigos desejos, pode criar novos que não possam ser satisfeitos. Essa possibilidade é ilustrada pelos efeitos psicológicos do industrialismo, que gera um grande número de novas aspirações: um homem pode estar descontente porque não tem condições de comprar um carro, e logo iremos querer aviões particulares. É possível que um homem esteja insatisfeito por causa de desejos inconscientes. Por exemplo, os americanos precisam de descanso, mas o desconhecem. Creio que isso explica em grande parte a onda de crime dos Estados Unidos.”

“Os motivos que levaram à educação universal compulsória são diversos. Seus defensores mais enérgicos foram estimulados pelo sentimento de que é desejável ser capaz de ler e escrever, de que uma população ignorante é uma desgraça para um país civilizado e de que a democracia é impossível sem educação. Esses motivos foram reforçados por outros. Logo se percebeu que a educação tinha vantagens comerciais, diminuía a criminalidade juvenil, e dava oportunidade de controlar as populações dos bairros pobres. Os que se opunham ao clero viram na educação estatal uma chance de combater a influência da Igreja; esse motivo influiu de maneira decisiva na Inglaterra e na França. Os nacionalistas, sobretudo depois da Guerra Franco-prussiana, consideravam que a educação universal aumentaria o fortalecimento nacional. Todas essas razões, no entanto, foram a princípio subsidiárias. O principal motivo para se adotar a educação universal foi o sentimento de que o analfabetismo era ignóbil.
A instituição, uma vez firmemente estabelecida, foi fundada pelo Estado, para ser utilizada de diversos modos. Torna os jovens mais dóceis, tanto para o bem quanto para o mal. Melhora o comportamento e diminui a criminalidade; facilita uma ação comum com fins públicos; faz com que a comunidade seja mais compreensível quanto às diretrizes centrais. Sem isso, a democracia não pode existir exceto em uma configuração vazia. Mas a democracia, tal como concebida pelos políticos, é uma forma de governo, ou seja, é um método para induzir as pessoas a agirem de acordo com o desejo de seus líderes, com a impressão de que suas ações estão em conformidade com suas aspirações. Do mesmo modo, a educação estatal adquire uma certa influência. Ensina o jovem (até onde possa) a respeitar as instituições existentes, a evitar toda a crítica fundamental aos poderes instituídos e a olhar as nações estrangeiras com suspeita e desprezo. Isso expande a solidariedade nacional à custa do internacionalismo e do desenvolvimento individual. O dano causado ao desenvolvimento individual advém da pressão indevida da autoridade. As emoções coletivas – e não as emoções individuais – são encorajadas, e a discordância em relação às crenças predominantes é reprimida com severidade. A uniformidade é desejada porque é conveniente para o administrador, a despeito do fato de que ela só pode ser mantida pela atrofia mental. Os males resultantes são de tal dimensão que se pode questionar seriamente se a educação universal fez até agora bem ou mal.”

“Como outra ilustração, vejamos o medo. Rivers enumera quatro tipos de reação ao perigo, cada uma delas apropriada em determinadas circunstãncias:
I Medo e Fuga;
II Raiva e Luta;
III Atividade manipuladora;
IV Paralisia;
É óbvio que a terceira reação é a melhor, mas ela requer um tipo aprimorado de habilidade. A segunda é louvada pelos militares, professores, bispos, etc. sob o nome de “coragem”. Qualquer classe governante vida a fomentá-la em seus próprios membros, assim como a disseminar o medo e a fuga na população. Então as mulheres são, até os dias de hoje, cuidadosamente treinadas para serem medrosas. E constata-se ainda no trabalho um complexo de inferioridade, que assume a forma de esnobismo e submissão social.”

Todas as citações acima são do livro Ensaios Céticos.


"Three passions, simple but overwhelmingly strong, have governed my life: the longing for love, the search for knowledge, and unbearable pity for the suffering of mankind. These passions, like great winds, have blown me hither and thither, in a wayward course, over a deep ocean of anguish, reaching the very verge of despair..Children in famine, victims tortured by oppressors, helpless old people..the whole world of loneliness, poverty, and pain make a mockery of what human life should be. I long to alleviate this evil, but I cannot, and I too suffer. This has been my life. I have found it worth living, and would gladly live it again if the chance were offered me."

Bertrand Russell in "The Autobiography of Bertrand Russell" (1967), Prologue: "What I Have Lived For"

Nenhum comentário:

Postar um comentário